sexta-feira, 19 de agosto de 2011

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Domingos A. Giroletti



Como deverá ser a educação no futuro? Para iniciar uma reflexão sobre a matéria, valho-me do documento da Unesco, de 1998, "Os Quatro Pilares da Educação".

O documento, ao rejeitar uma visão meramente instrumental e produtivista, afirma que a educação do homem do presente e do futuro deverá ser organizada em torno de quatro aprendizagens fundamentais: o "aprender a conhecer", o "aprender a fazer", o "aprender a viver" e o "aprender a ser", via essencial que integra as três precedentes".

Com o primeiro, o "aprender a conhecer", a ênfase recai no domínio dos próprios instrumentos do conhecimento, visto como "meio e finalidade da própria vida humana". É "meio" porque o conhecimento, na nossa época, tornou-se o principal fator produtivo e "finalidade" porque o compreender, o conhecer e o descobrir tornam-se fontes inesgotáveis de prazer e de auto-realização. 

O documento adverte-nos contra a especialização excessiva, recomendando-nos que o conhecimento seja transmitido juntamente com a cultura geral. Diremos que esta não se confunde com "generalidade" que, segundo Ítalo Calvino, "é a pior praga da escrita de hoje" - e, certamente, o pior produto que um sistema educacional possa vir a produzir. A formação cultural, pelo contrário, além de ser cimento das sociedades no tempo e no espaço, favorece a abertura do ser humano para outros campos do conhecimento. O sucesso de um programa de educação (aí incluído o primário), poderá ser medido pela sua capacidade de transmitir às pessoas o impulso e as bases para o aprender permanente ou para o aprender a aprender, que deverá ser mantido de forma continuada ao longo da vida.

O segundo pilar, o "aprender a fazer", refere-se à formação profissional que, na era da chamada de terceira revolução industrial, passa por profundas transformações. Não há mais profissão ou conhecimentos que se aprendem na Escola para serem usados pelo resto da vida. As tarefas manuais de produção são gradativamente substituídas por outras, mais intelectuais, que dizem respeito ao comando de máquinas ou de processos, cada vez mais inteligentes e sofisticados na proporção em que o trabalho se "desmaterializa".. Por isto, o desafio da formação profissional na atualidade está, segundo o documento, na ênfase à "competência individual", um coquetel que mistura, em proporções variadas, a formação técnica atualizada com a capacidade de iniciativa e de comunicação, com a aptidão para o trabalho em equipe, com o gosto pelo risco e com a habilidade para gerir e resolver conflitos.

O terceiro pilar é o "aprender a viver juntos ou conviver com os outros". O globalização, ao acentuar a "tendência em direção à homogeneização global e à fascinação com a diferença", tanto aproxima os diferentes quanto, pela acentuação das desigualdades sociais, regionais e entre países, pode acelerar a separação e os conflitos inter étnicos no mesmo território ou entre Estados vizinhos. A diminuição da violência e a busca da paz tornam se objetivos cada vez mais permanentes da Escola e da sociedade. Não há dúvida de que a experiência multirracial e multicultural praticada no Brasil desde a colonização, pode e deverá ser uma referência cada vez mais importante para o presente e para o futuro. O "aprender a viver juntos" deverá traduzir-se em maior capacidade de compreender o diferente, de argumentar, de dialogar, de negociar e participar de projetos comuns. A prática de esportes e os programas de natureza cultural oferecem infindas possibilidades para um convívio mais fraterno e enriquecedor entre pessoas diferentes, mas que podem, pacificamente, perseguir um objetivo comum.

Com o último pilar, o "aprender a ser", o documento da Unesco preconiza o compromisso da educação com o desenvolvimento total da pessoa humana: o espírito e o corpo; a inteligência, a sensibilidade e o sentido estético; a vontade, a responsabilidade individual e a espiritualidade. O "aprender a ser" implica o auto-conhecimento, a autonomia do sujeito e seu espírito de iniciativa e de independência; reafirma o reconhecimento do outro: a diversidade de personalidades e a pluralidade de estilos, valores e idéias que fazem a riqueza do ser humano e a beleza da humanidade. 

Cabe, para concluir esta reflexão, estabelecer uma última analogia com a "multiplicidade" em oposição à "unicidade", a quinta qualidade da literatura, segundo Ítalo Calvino, para o próximo milênio. 

Um sistema educacional que objetiva preparar o sujeito para o mundo de incerteza e para a construção do futuro deverá também dar maior ênfase à curiosidade, à criatividade, à inovação e à imaginação. "Quem somos nós, pergunta-se Calvino, senão uma combinatória de experiências e informações, de leituras e de imaginação?" ("Seis Propostas para o Próximo Milênio").

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