quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

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Mandela na ilha Robben

Transcrevo abaixo a última anotação de Mandela do livro conversas que tive comigo
16.10.98 Os Anos da Presidência. Capítulo Um.
Homens e mulheres, de toda parte do mundo, ao longo dos séculos,vêm e vão.
Alguns não deixam nada para trás, nem sequer seus nomes. Parece que nunca existiram.
Outros deixam alguma coisa: a lembrança persistente das maldades que cometeram contra outras pessoas; em gritante violação dos direitos humanos, não apenas limitada à opressão e a exploração de minorias étnicas ou vice-versa, mas que até fazem uso do genocídio para manter suas políticas medonhas.
A decadência moral de algumas comunidades em várias partes do mundo se sobressai entre outras pelo uso do nome Deus para justificar a manutenção de ações que são condenadas pelo mundo inteiro como crimes contra a humanidade.
Dentre a multidão daqueles que ao longo da história se dedicaram à luta pela justiça em todas as suas implicações estão alguns daqueles que comandaram exércitos de libertação invencíveis que se empenharam em operações impressionantes e se sacrificaram imensamente de modo a libertar seu povo do jugo da opressão, a melhorar a vida de seu povo por meio da criação de empregos, construção de casa, escolas, hospitais, pela introdução da eletricidade e ao trazer água limpa e saudável para as populações, especialmente nas áreas rurais. A meta deles era remover o abismo entre ricos e pobres,instruidos e não instruídos, os que têm saúde e aqueles que so que podem ser prevenidas.
De fato, quando regimes reacionários são finalmente derrubados, os libertadores tentaram da melhor maneira que podiam e dentro dos limites de seus recursos realizar estes nobres objetivos e introduzir um governo limpo, livre de todas as formas de corrupção. Quase todo indivíduo do grupo oprimido acalentava a esperança de que seus sonhos afinal seriam realizados, de que eles por fim recuperariam a dignidade humana que lhes havia sido negada por décadas e até mesmo séculos.
Mas a história nunca para de pregar peças, mesmo nos mais experientes e mundialmente famosos combatentes da liberdade. Com frequência, revolucionários do passado sucumbiram facilmente à ganância, e a tendência de desviar recursos públicos para o enriquecimento pessoal finalmente os dominou. Ao acumular vasta riqueza pessoal e ao trair os objetivos que os tornaram famosos, eles virtualmente desertaram do povo e se juntaram aos antigos opressores, que enriqueceram ao impiedosamente roubarem dos mais pobres dos pobres.
Existe respeito universal e até admiração por aqueles que são humildes e simples por natureza, e que têm absoluta confiança em todos os seres humanos independentemente de sua posição social. Estes são homens e mulheres, conhecidos e desconhecidos, que declararam guerra total a todas as formas de brutal violação de direitos humanos onde quer que tais excessos ocorram no mundo.
Eles são geralmente otimistas, acreditando que, em toda comuni­dade no mundo, existam bons homens e mulheres que acreditam na paz como a mais poderosa das armas na busca por soluções duradou­ras. A verdadeira situação em campo pode justificar o uso de violência que mesmo bons homens e mulheres podem achar difícil de evitar.
Mas mesmo nesses casos o uso da força seria uma medida excepcio­nal, cujo objetivo básico é criar o ambiente necessário para soluções pacíficas. São esses bons homens e mulheres que são a esperança do mundo. Seus esforços e conquistas são reconhecidos mesmo depois de sua morte, e mesmo muito além das fronteiras de seus países, eles se tornam imortais.
Minha impressão geral, depois de ter lido várias autobiografias, é de que uma autobiografia não é apenas um repertório de acontecimentos e experiências em que uma pessoa se envolveu, mas que também serve como uma espécie de projeto sobre o qual outros podem pautar suas próprias vidas.
O presente livro não possui essa pretensão, uma vez que não tem nada para deixar para trás. Quando jovem eu... tinha todas as fraquezas, erros e indiscrições de um garoto do campo, cuja amplitude de visão e experiência era influenciada principalmente por acontecimentos na área em que fui criado e nos colégios para os quais fui mandado. Eu me apoiei na arrogância para esconder minhas fraquezas. Quando adulto, meus companheiros me elevaram e a outros companheiros prisioneiros, com algumas exceções importantes, da obscuridade a um monstro imaginário ou um enigma, embora a aura de ser um dos presos cumprindo pena de mais longa data do mundo nunca tenha totalmente evaporado.
Uma questão que me preocupou profundamente na prisão foi a falsa imagem que involuntariamente eu projetava para o mundo exte­rior, a de ser considerado um santo. Eu nunca fui santo, nem mesmo com base na definição mais mundana de um santo, a de um pecador que continua tentando.


Nelson Mandela Conversas Que Tive Comigo da Editora Rocco é um relato impressionante sobre o homem Mandela, de preso político a passar mais tempo na prisão, e até mesmo antes de sua libertação, Mandela já traçava as bases de uma nova África do Sul, livre do Apartheid e unida como uma nação forte e exemplo de resgate da dignidade humana.

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