terça-feira, 26 de abril de 2011

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Por: Margot Cardoso
A infância é uma maravilha. Nossos pais seguem a cartilha que diz que para uma educação saudável os dois pilares fundamentais são o amor e a disciplina. Zelosos, partem para o ensino dos limites e das regras. E, como somos lentos na aprendizagem, eles recordam-nos dia a dia todos os ensinamentos de forma repetida e consistente. Estão sempre reavivando regras para evitar que corramos perigo ou que nos machuquemos. Com o tempo, passamos o entender qual é o território permitido e com isto ganhamos experiência, segurança psicológica, aprendemos a organizar a mente, a nos estruturar, a conviver em sociedade. Enfim, começamos a trilhar os caminhos do bom desenvolvimento.

Uma perfeição!


Porém - se você está lendo este texto - este tempo glorioso acabou. Agora - tempos duros - você é adulto. Portanto, no seu cotidiano, as regras e os limites devem ser descobertos e estabelecidos por você. A repetição consistente também está a seu cargo. A vigilância diária dos limites também é com você. Se as coisas não vão bem, por exemplo: você não sabe qual é o território permitido, não está conseguindo organizar a sua mente, não está dando conta da sua estrutura... o assunto também é com você. E com uma agravante: os perigos e os ferimentos do adulto são piores, maiores e muito mais complexos. Uma vida adulta sem disciplina é um verdadeiro caos. Imagine: problemas com o fisco (aliás, lembrança oportuna, pois o prazo para entrega da declaração do Imposto de Renda é 30 de abril), com o banco, com a empresa, com clientes, com amigos e em última instância com você mesmo. Aliás, com tanta negligência a sua auto-estima é a primeira a ruir.

Já sei o que você pensou. Em situação de caos desgovernado, você voltará aos tempos dourados, correrá até o seu pai e sua mãe e pedirá ajuda? Não parece boa idéia. Vamos às possíveis saídas: você poderá aconselhar-se com alguém que admira; poderá procurar a ajuda profissional de um terapeuta (se você dispuser de dinheiro e de coragem) e, por último, mas não menos importante, você poderá buscar ferramentas, arregaçar as mangas e partir para o empreendimento solo: resolver a questão com as suas próprias mãos. 

É com você!
Desnecessário dizer que a primeira saída recomendada - e esperada - é a da via autônoma. Vá à luta! A primeira fase é buscar todas as informações possíveis sobre disciplina. Devore tudo que estiver ligado ao tema (livros, revistas, filmes), monte um plano e vire o jogo. Nesta etapa, a VENCER! dá uma contribuição informando o que pensam e o que sugerem alguns especialistas no assunto.

Primeiro uma questão conceitual. Se a disciplina é elemento de primeira necessidade na infância (na verdade é mais do que isso: é direito garantido por lei. Se você, vanguardista e revolucionário, resolver educar seu filho sem disciplina, saiba que poderá ser preso sob a acusação de maus-tratos), ela é igualmente fundamental na vida adulta. O que a sociedade espera hoje de um grande ser humano? Espera que ele seja íntegro, consciente, autêntico, honesto, autocontrolado, responsável pela sua vida... 

Você imagina algum destes itens sem disciplina?
Ser disciplinado é ser senhor do seu destino, é ser seu próprio mestre, é estar no controle dos seus atos. Filósofos de todas as épocas já identificaram a disciplina como a base de todas as virtudes humanas. Mas, porque é tão difícil ser disciplinado? Primeiro (e aqui seguindo uma vocação da VENCER!: lembrar sempre a nossa origem animal), a explicação biológica merece ser citada.
Temos de lutar contra uma poderosa herança ancestral que está entrincheirada em nosso cérebro (veja VENCER! n° 23, Aumente o poder do seu cérebro). A nossa porção cerebral reptilínea (cuja função é a sobrevivência e as únicas preocupações são procriar, comer e dormir) e o sistema límbico, onde só o que importa é buscar o prazer e fugir da dor. E haja disciplina para lidar com o nosso lado réptil... Acordar cedo, fazer ginástica, vencer a inércia da preguiça, sacudir o sedentarismo. O embate com o sistema límbico também não fica por menos. A tarefa é vencer o nosso lado que busca só o prazer, só pensa em delícias, em facilidades.

Mas só há adversidade na nossa herança biológica? Claro que não. Na conquista evolucionista do homem, o cérebro ganhou mais uma porção: o córtex, responsável pelo pensamento, dotado de raciocínio e com poder para negociar com as outras porções mais primitivas. Mas, voltemos a elas.


A primeira é mais fácil de ser domesticada. Bastam algumas semanas de sacrifício e pronto. O corpo habitua-se e até gosta. O difícil é driblar a eterna busca do prazer. Este último, de tão persistente, revolve os miolos de pensadores de todas as épocas - desde Epicuro (que viveu no século IV a.C, na Grécia antiga) até Sponville (que vive atualmente em Paris, França). Quem nunca sucumbiu a um prazer nocivo que atire o primeiro copo.


E para convencer os mortais a tarefa é árdua. Epicuro, por exemplo, explicava que era conveniente primeiro questionar o prazer (já que dizer não de cara é praticamente impossível). De acordo com ele, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; entretanto, nem todos devem ser escolhidos. Do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser evitadas.


Um raciocínio pragmático que busca chamar atenção para o custo e o benefício de determinados prazeres e dores. O prazer deve ser evitado quando dele resultarem efeitos desagradáveis, e o sofrimento acolhido se, após a dor, advier um prazer maior. Aqui um ponto a ser esclarecido. Não se trata apenas de prazer físico ou uma experiência sensorial. Epicuro considera como prazer também a ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma, portanto, o conceito é mais global e abarca todas as porções do cérebro humano. Resumo da ópera: se as coisas correrem mal, sobra frustração para todos (córtex, sistema límbico e reptilíneo). Sem contar que é uma bola de neve. Começa com uma avalancha interna, depois atinge as pessoas que convivem com você, sua família, seu trabalho, depois a sociedade.
 
Mas, afinal, o que é?
Para o lama Kalden, o primeiro ocidental a ser ordenado no Tibete, responsável pelo Centro Budista Djampel Pawo (www.djampelpawo.org), em São Paulo, a disciplina é um método que se desenvolve para alguns fins, utilizando as condições e seus meios. "Todo mundo tem disciplina. Se você quer ir ao cinema, compra o jornal para ver o horário, pega o carro, vai até o endereço, estaciona. Isto é disciplina: uma série de passos que leva ao seu objetivo. E isto se desenvolve com naturalidade, para pacificar a mente, que se distrai como uma criança em uma loja de doces. É preciso ter claro o que se quer e como conseguir", ensina ele.

Porém, a disciplina não se resume apenas à execução de tarefas. É uma postura, uma forma de estar no mundo. O psiquiatra e consultor Tom Chung afirma que a disciplina tem a ver com caráter, cujos valores incluem integridade, responsabilidade, visão, capacidade de definir e realizar objetivos. É uma força moral que leva o indivíduo a fazer o que tem de ser feito, independentemente da própria vontade e da emoção. Você tem uma visão sobre o que pretende realizar, define o que precisa fazer para conseguir seu objetivo, assume o compromisso com sua causa e simplesmente faz. Isso é agir com disciplina.

Muito além das tarefas
Pensadores de todas as épocas debruçaram-se sobre o assunto. O filósofo inglês John Locke, considerado o pai da disciplina, afirmava que ela é um conjunto de leis a que o homem deve se submeter. Porém, Locke falava em corpo em forma e espírito disciplinado. Portanto, a disciplina como uma atitude diante do mundo. De acordo com ele, a mente deve ser obediente à disciplina e aberta à razão. A disciplina proposta por Locke era uma espécie de alicerce interior e não apenas um processo instrutivo e punitivo. Para ele, a disciplina era uma ferramenta de crescimento, pois a mente só é capaz de crescer, de se aprimorar, quando disciplinada para esse objetivo.

Ela não tem a rigidez de um fim em si mesma. É uma ferramenta de crescimento e deve ajustar-se continuamente às suas necessidades, evoluindo com você, trabalhando a seu favor.


Sem massacres
Se você, a partir de hoje, vai estabelecer para si uma rotina militar ou de monge, como se costuma dizer, saiba que a verdade está longe disto.

Tom Chung alerta para os excessos e afirma que tentar impor regras e limites para tudo é um exagero que pode trazer rigidez burocrata e até tirania. De acordo com o psiquiatra, a disciplina está diretamente associada à responsabilidade, motivo por que exige bom senso para compreender quando ela é essencial, quando é efetiva e quando é inconveniente.


O próprio lama Kalden admite ter uma mente que, por natureza, se distrai e, por isso, precisa ser disciplinada. Mas desenvolveu uma disciplina sem rotina, sem ser maçante. À parte os seus compromissos de estudo e discipulado no templo e suas horas de meditação, o lama não tem horário certo para acordar ou dormir. "A vida não tem ensaio e torná-la dura não é um objetivo que traga felicidade. É preciso ser flexível. Métodos disciplinares duros frustram e desestimulam. Se for preciso ler um livro, pare tudo, desligue o telefone e leia", explica ele. 
 
Mente sã
Ok. A disciplina para tarefas até que é fácil de ser implementada. Algumas tarefas requerem isolamento, outras vigilância constante na agenda, outras apenas vencer a inércia, os primeiros passos. Mas, e a disciplina de espírito? Como descongestionar a mente, colocá-la no eixo? Uma estratégia recomendada pelo lama para disciplinar a mente é a meditação. Porém, o lama Kalden chama atenção para alguns conceitos errôneos da meditação. "A idéia que se tem de pensar em um campo com flores e borboletas como meditação é errada. Isso é relaxamento. Meditar é entrar em contato consigo mesmo. Separar o bom do nefasto. Trazer a mente mais clara para o cotidiano. Levar à transformação, à calma. Nós temos venenos mentais. É preciso olhar para si mesmo com carinho, como se cuida de uma planta", diz.

Como se faz isso? O lama Kalden ensina o seguinte exercício: na hora de dormir, sente-se na cama e traga presente tudo o que fez durante o dia com sinceridade. Tudo mesmo. E avalie. No final, traga à sua mente a grande amiga, a morte ("A mente pensa que é imortal e pode perder tempo com coisas sem importância, em vez de saborear laços de amor e amizade, que são o que importa", detalha o lama). "Segundo Buda, a vida tem o mesmo significado de uma bolha de água. Se uma situação o aflige ou o irrita, pense: se eu morrer agora, isso tem importância?", questiona. "Esse tipo de meditação leva à disciplina, a uma mente mais ativa. Todos os males que afligem a sociedade hoje - obesidade, estresse, depressão - existem porque as pessoas estão ausentes de si mesmas, desconectadas. Falta prestar atenção em si mesmas. Sem objetivo não há disciplina", complementa. 
 
Fuja do superficial
O lama chama atenção para a frivolidade dos tempos modernos. "A verdadeira disciplina é interna. Há situações em que é preciso seguir uma rotina, mas a verdadeira disciplina é interna, independe de rituais. A disciplina rígida pode se mecanizar e se tornar vazia. As pessoas tentam viver uma vida emprestada. Andam em bloco, sem sentido. É preciso ser um samurai interno. Manter a mente clara em todos os momentos. Tudo para nós é um problema e a culpa é sempre dos outros. Todo mundo acha que não merece as coisas ruins. Merece. Tem de se olhar com sinceridade e podar as arestas. Disciplina é trazer sua vida para si mesmo e cuidar dela. O grande mestre na montanha não existe. Buda disse que o grande mestre está em você mesmo. E seu maior inimigo também", diz.

"A essência humana é pura e cristalina, virtuosa. Invista nela. Conecte-se consigo mesmo e faça transformações. A disciplina é o automóvel que vai levá-lo aonde você quer", esclarece o lama. 
 
Faça o que tem de ser feito e não desista!
O mesmo procedimento de se auto-analisar sugerido pelo lama pode ser estendido às tarefas práticas do dia-a-dia. Questionar-se por que determinadas tarefas são difíceis de serem implementadas é o primeiro passo para vencê-las, dizem os especialistas. Dulce Magalhães, especialista em educação de adultos e uma estudiosa do tema, sugere que você descubra quais são as razões que impedem você de conquistar seus objetivos, onde se encontram as barreiras. "Vá analisando uma a uma, parte por parte, até estabelecer uma nova visão para cada etapa. Vencidas estas barreiras, você terá a disciplina para fazer acontecer."

O grande problema é que muitos conseguem dar o primeiro passo, mas não conseguem dar continuidade. Isto é: resolvem mudar, estabelecem as ações, mas não conseguem a disciplina para sustentar as mudanças. Isto é, a disciplina dura apenas uma semana ou um mês (veja dados estatísticos no quadro ao lado). De acordo com o psicólogo Eduardo Correa Sampaio, um estudioso da neurociência, a disciplina está ligada à capacidade de planejar e definir objetivos a médio e longo prazos e à automotivação. "A disciplina é alimentada pela auto-suficiência, autoconfiança e controle de pensamento." E aqui se caracteriza o círculo vicioso. Isto é: quando você acredita no seu próprio potencial, quando acredita que você é o senhor do seu destino, consegue ser fiel a uma disciplina. E, quanto mais capacidade de disciplina, maIs confiante e mais senhor do seu destino você se torna.


Se você tem o hábito de estar sempre reclamando que não tem tempo, que não consegue fazer, que você é assim mesmo e não consegue mudar... "Parar de dar desculpas para si mesmo e para os outros é a melhor maneira de começar. Enquanto você utilizar esses argumentos, mais longe estará de reverter a situação", aponta Eduardo. "Pare com as desculpas, assuma que a tarefa é sua e possível e 50% do caminho já estará percorrido", conclui.

Você tem capacidade para manter a disciplina?


Veja o que acontece ao seu redor.
Entrar em forma
54% dos novos "atletas" só treinam regularmente no primeiro mês
45% desistem antes do fim do primeiro mês
2% dos recém-inscritos continuam a treinar regularmente
Perder peso
35% agüentam seis meses de regime e depois desistem
27% desistem antes do primeiro mês
2% conseguem ultrapassar o primeiro ano e manter os novos hábitos saudáveis de alimentação

Parar de fumar
5% conseguem parar com ajuda especializada
1% consegue parar apenas com sua força de vontade
30% fracassam antes de completar um ano
35% desistem no primeiro mês

O modelo de disciplina de Benjamin Franklin

Por Maria de Lima

Considerado um dos mais versáteis líderes americanos de todos os tempos, Benjamin Franklin (1706-1790) é exemplo de como a disciplina, dirigida com inteligência, como diz Dulce Magalhães, pode transformar a vida. Nascido em uma família pobre, Franklin destacou-se em pelo menos quatro diferentes áreas: nos negócios, na política, na ciência e na literatura.


O inventor do pára-raios, das lentes bifocais, entre outras criações, conta em sua famosa biografia que tinha como meta atingir a perfeição moral. Seu objetivo, escreveu ele, era combater os erros que a inclinação natural, os costumes e o convívio com as pessoas levam o indivíduo a cometer.


Franklin acreditava que o autocontrole era um requisito essencial para mudar a vida e alcançar a felicidade. Resolveu, então, elaborar uma lista com 13 virtudes. Classificou-as em grau de importância e começou a executar um plano para transformá-las em hábito. A cada semana ele dava prioridade a uma dessas virtudes. No fim do dia, fazia um balanço para avaliar a aplicação das qualidades que havia se proposto a desenvolver.


Ele admitiu que sua meta era mais desafiadora do que havia imaginado. Chegou a confessar que, quando empregava toda a sua força para evitar uma falha, se pegava cometendo outra. Como considerava Deus a fonte de toda sabedoria, Franklin resolveu apelar para o Todo-Poderoso e elaborou a seguinte oração, que era feita durante sua avaliação diária de desempenho:
"Poderosa Bondade, Generoso Pai, Piedoso Mestre,
Faz aumentar em mim a sabedoria que revelará meus verdadeiros interesses. Fortalece minha decisão para que eu possa realizar o que essa sabedoria ditar. Aceita meu auxílio aos outros filhos teus como a única retribuição que me é possível pelo constante auxílio que me concedes."
A autobiografia de Benjamin Franklin foi publicada em 1791, um ano após sua morte, e ainda hoje é comentada, citada e apreciada por muitos autores e leitores.

Os especialistas em neurolingüística garantem que, se alguém no mundo consegue fazer alguma coisa, você também consegue. É só seguir um modelo. Esse processo, chamado de modelagem (descrito na edição de VENCER! número 31, A hora e a vez da Programação Neurolingüística), é um alento para quem pretende adquirir novos hábitos, como o da disciplina.

Portanto, se você conhece alguém disciplinado, que tem o costume de fazer o que promete no momento certo, é só perguntar qual é a estratégia dessa pessoa e segui-la à risca. Se não encontrar um exemplo a sua volta, não invente desculpa: siga o do próprio Franklin.
"A vida não tem ensaio e torná-la dura não é um objetivo que traga felicidade. É preciso ser flexível. Métodos disciplinares duros frustram e desestimulam. Se for preciso ler um livro, pare tudo, desligue o telefone e leia". Lama Kalden
"É uma força moral que leva o indivíduo a fazer o que tem de ser feito, independentemente da própria vontade e da emoção. Você tem uma visão sobre o que pretende realizar, define o que precisa fazer para conseguir seu objetivo, assume o compromisso com sua causa e simplesmente faz. Isso é agir com disciplina". Tom Chung

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