sexta-feira, 3 de abril de 2009

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De cada dez brasileiros que chegam ao topo da sociedade, nove são brancos

Ricardo Mendonça

Antonio Milena

Sala de faculdade, em São Paulo: só alguns poucos negros conseguem fazer curso superior no Brasil

Saiu o último estudo sobre desigualdade salarial entre brancos e negros no Brasil. De acordo com o levantamento realizado pelo Dieese e pela Fundação Seade, os brancos têm rendimento mensal médio de 760 reais, quase o dobro dos 400 reais que os negros recebem por mês. Apresentados dessa forma, os números apontam para uma idéia equivocada e simplista de que os patrões estão contratando brancos e negros para postos de igual responsabilidade, mas, num ato preconceituoso, decidem dar aos brancos um salário mais alto e aos negros vencimentos mais modestos. Isso não acontece. Se estivesse ocorrendo, o problema racial no Brasil até poderia ser enfrentado na delegacia de polícia ou na Justiça. A explicação para o abismo que separa os rendimentos de negros e brancos é de outra natureza, muito mais profunda. Negros e brancos recebem salários diferentes porque não ocupam os mesmos postos de trabalho – nem estão habilitados a fazê-lo. A máquina que produz a fissão social separa as raças aos poucos, e de forma cirúrgica. De que outra maneira se pode explicar que, quando observada em bloco, a população negra representa 45% do total da sociedade, mas, quando se analisa o 1,7 milhão de brasileiros com maior renda, os negros são apenas 10%?

A foto ao lado é um bom exemplo do problema. Ela mostra alunos do curso de marketing de uma universidade paulista que gentilmente se deixaram fotografar para esta reportagem. Tente contar quantos estudantes negros aparecem na sala. Um talvez? Esse grupo não é uma exceção, e os alunos selecionados para o curso foram escolhidos por vestibular – não em entrevistas pessoais, que poderiam dar margem a práticas discriminatórias. Os negros não aparecem na fotografia simplesmente porque não conseguiram chegar à universidade. Por razões diversas, a maioria deles ficou pelo caminho. Sem acesso à faculdade, não se habilitam a um bom posto de trabalho. Relegados a funções secundárias, acabam recebendo menos no fim do mês. O resultado aparece no estudo: tomando-se em bloco o vencimento dos negros, eles realmente ganham menos que os brancos, já que possuem emprego de menor destaque.

Para entender por que os negros ganham menos, é preciso ir à origem do problema. Em primeiro lugar, está o fator escolaridade. Segundo uma pesquisa feita pelo Ipea, o tempo médio de estudo de um jovem branco com 25 anos é de 8,4 anos, enquanto o negro na mesma idade passou apenas 6,1 anos na escola. O abismo fica evidente quando se observa o currículo escolar. Considerando que um branco e um negro começaram juntos na 1ª série do ensino fundamental, o branco vai até o 1º ano do colegial e o negro abandona a escola na 6ª série. Como cada ano de estudo na vida de uma pessoa representa um acréscimo de 16% em sua renda, a defasagem escolar torna-se a primeira barreira para a conquista de melhor remuneração. Mas por que os negros estudam menos? Uma resposta está na renda familiar dos estudantes. Ela é mais baixa entre os negros, obrigando boa parte das crianças a interromper os estudos mais cedo para ajudar no orçamento doméstico. Trata-se de um círculo vicioso difícil de ser rompido. Como são mais pobres, os negros estudam menos. Como estudam menos, eles permanecem na pobreza.

Muitos estudiosos acreditam que a melhor maneira de reduzir a desigualdade é estabelecer cotas para negros na escola e no mercado de trabalho. Nos Estados Unidos, o sistema de cotas nas universidades e na administração pública fez com que a classe média negra dobrasse nos últimos vinte anos. Mas as chamadas "políticas afirmativas" também produziram uma nova forma de disputa racial. Um candidato branco que perde um bom emprego não por ser menos capacitado mas porque a lei favorece o negro normalmente se considera injustiçado pela política de cotas. Nesse caso, a política pode ser lida como uma forma de preconceito. A despeito dos debates acirrados, a verdade é que nos Estados Unidos o sistema se mostrou eficiente para combater a desigualdade. No Brasil, alguns órgãos públicos anunciaram recentemente a reserva de vagas para negros. Também está sendo criada uma lei que estabelece a cota mínima de 25% para atores negros em programas de televisão.

As estatísticas apontam que a situação do negro brasileiro tem melhorado em alguns setores. Segundo um levantamento feito pelo IBGE, em cada grupo de dez negros, quatro estão parados na pirâmide social. Dos seis que estão se mexendo, cinco estão subindo. No mercado de trabalho, também ocorreram avanços. Há dez anos, apenas 10% dos negros eram empregadores. Hoje os patrões negros representam 22% do total. Como conseqüência, tornaram-se mais freqüentes cenas de negros em restaurantes caros ou fazendo compras em lojas chiques nos shoppings. Os avanços amenizam o problema, mas não escondem o fato de que existe enorme desigualdade racial no Brasil. Ainda falta muito para que as salas das universidades, os cargos de chefia e os postos públicos mais cobiçados sejam preenchidos de forma equilibrada entre brancos e negros.
deu na veja: http://veja.abril.com.br/041202/p_056.html

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